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CANIL

Henrique Biatto at Belo Campo, Lisbon

17.02.24 - 20.04.24

[EN]

Tudo, aliás, é a ponta de um mistério.[1]

 

Grades e ruínas antecipam a atmosfera áspera do anexo subterrâneo. No lugar de uma antiga adega, um corredor sem saída esconde vestígios de um outro tempo, destilam as sensações ambíguas de um delírio.

 

Partindo do diálogo com o espaço da Belo Campo, o desenho instalativo de Henrique Biatto se desenvolve entre as frestas e as marcas deixadas nesta superfície crua, essencial. Canil, primeira individual do artista em Lisboa, reflete hierarquias e estruturas que atravessam as relações por meio de ferramentas de controle, onde armas naturais de defesa e ataque surgem como instinto de sobrevivência.

 

Há sempre um lado mais frágil. Passando por escapes e armadilhas das profundezas da natureza humana, no encontro de diferentes matérias, tensões entre limite e equilíbrio vem à tona. Levando em conta a ação e reação que conduz aspectos de interação entre as espécies, indícios mordazes revelam um espelho do eu e do outro, na forma e contraforma das pequenas coisas que se tornam.

 

Objetos encontrados transmutam-se incorporando acasos em composições que entrelaçam instantes sutis. Reflexões sobre o tempo e a espera se estabelecem. Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.[2] Daquilo que não se vê - ou que tende a permanecer escondido - pode-se dizer a energia que precede estes instantes ou o invisível que orienta os gestos.

 

Instrumentos de trabalho e utensílios cotidianos em diálogo com a cerâmica incorporam, junto à dualidade artesanal x industrial, nuances de uma experimentação contínua. No fazer artístico, como aqui, o compasso do tempo é outro. Ao evidenciar os rastros do processo, elementos e trivialidades apontam a ideia de habitar a prática.

 

Em Canil, a noção espacial atuante sobre o trabalho de Biatto se introduz nas obras que, seguindo pistas, integram-se ao ambiente da Belo Campo. Das ativações que envolvem e das percepções que instigam, vislumbra o tênue contraste entre brutalidade e delicadeza, como o corte de uma presa afiada.

Quando o interfone toca, os cães ladram.

[1] ROSA, João Guimarães. O espelho In: Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

[2] Ibid.

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